domingo, 31 de maio de 2009

LUIS SOARES



A PINTURA LUNAR DE LUÍS SOARES
Perante a obra pictórica de Luís Soares sentimos a tentação de nos transportarmos imaginariamente à cave da Rua Garay em Buenos Aires, onde o visionário Jorge Luís Borges situou a pequena esfera de reflexos multicores, de fulgor quase intolerável, na qual se podem observar, sem justaposição, as miniaturais imagens do mundo de ontem, de hoje e de amanhã.
Tal como Borges no Aleph, Luís Soares diz - em presença da tela, do papel em branco ou da prancha virgem - que a enumeração, ainda que parcial, é um problema insolúvel e, quando se decide a desvendar os seus fantasmas interiores, tende a representá-los de forma multivisionária. Cada coisa é ela mesma; mas, cada coisa, é, simultaneamente, uma parte do todo, desse todo que se consubstancia num ponto que tudo contém: o microcosmos dos alquimistas e dos cabalistas, o mítico “multum in parvo”.
Daí que na sua obra exista, quase sempre, uma espécie de véu ou aura, que tudo abraça, une e torna simultâneo. Para o pintor de Cascais a figura singular não existe. As suas preferências - cada vez mais à medida que a sua carreira avança - orientam-se no sentido da sobreposição. O pintor, quando inicia uma obra, sabe como a vai começar; mas prefere não saber como a irá terminar. O traço e a inspiração trabalham pelo pintor, desenhando as linhas, semeando a cor, matizando a composição.
Deixar que os traços fluam é um perigo que não assusta o autor que os sabe dominar. Luís Soares pertence à vaga dos pintores que escrevem poesia visual. Os seus traços são poemas onde sempre sobressai a figura humana observada de todos os ângulos possíveis. Um rosto - e volto ao Aleph - é um rosto; mas representa, simultaneamente, todos os rostos imagináveis.
A sua paixão pelo rosto humano, com especial relevo pelo feminino, revela uma paixão lunar. O pintor português tende a representar a mulher de perfil, com o nariz afilado e as faces arredondadas, em quarto crescente ou minguante, como lua cheia e como lua nova. A lua - denominada pelos antigos “sol dos gatos” - tem, na sua pintura uma importância que só poderá ser captada por quem dela se aproximar sem pressa, com espírito poético e alma receptiva.
Outro sinal que distingue o seu trabalho é o realce dado à expressão. O rosto belo, estático, atrai-o pouco ou nada. Luís Soares prefere o rosto expressivo, o rosto de olho deslocado e expressão intrigante.
Para tudo isto contribui, e não pouco, a sobreposição de sinais e símbolos, entre os quais se destacam o círculo, o oval, e as cores puras, que evocam o espectáculo que se segue à tempestade: o arco-íris.
Aqui o pintor sublima-se como português que não pode deixar de o ser. Num país que se debruça sobre o mar e que, necessariamente, no mar se revê, a cor tem uma importância capital, mutável, renovadora. Porque a pele do mar, como diz o poema francês, nunca se mostra completamente terminada, está constantemente a refazer-se, recomeçando, renascendo.
Luís Soares recolhe do rosto feminino o rubor; da lua, a palidez; do mar, a surpresa; e da terra, a esfera multicor, de fulgor quase intolerável, na qual se consubstanciam todas as linhas, todas as figuras, todos os arrebois, todas as verdades e todas as fantasias.


António Martinez Cerezo

Da Associação Internacional de Críticos de Arte

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